sexta-feira, 22 de junho de 2012

Nada na língua é por acaso – Marcos Bagno

Este livro apresenta, de modo acessível e esclarecedor, os fundamentos necessários para abordar conceitos como variação e mudança, norma-padrão e norma culta, estigma e prestígio, letramento e oralidade – entre outros – de maneira consistente.
Mas afinal, o que é Variação Linguistica?

Começaremos por Variação:
Variação: segundo Marcos Bagno, significa o mesmo que dizer heterogeneidade. Diferentes formas de dizer, com singularidades próprias, e em classificações diversas.
Variação fonético-fonológica – pense em quantas pronúncias você conhece para o R da palavra porta no português brasileiro;
Variação morfológica – as formas PEGAJOSO e PEGUENTO exibem sufixos diferentes para expressar a mesma idéia;
Variação sintática – nas frases UMA HISTÓRIA QUE NINGUEM PREVÊ O FINAL/ UMA HISTORIA QUE NINGUEM PREVE O FINAL DELA/ UMA HISTORIA CUJO FINAL NINGUEM PREVÊ, o sentido geral é o mesmo, mas os elementos estão organizados de maneiras diferentes;
Variação semântica – a palavra VEXAME pode significar “vergonha” ou “pressa”, dependendo da origem regional do falante;
Variação lexical – as palavras MIJO, XIXI e URINA se referem todas à mesma coisa;
Variação estilístico-pragmática – os enunciados QUEIRAM SE SENTAR, POR FAVOR E VAMO SENTANO AÍ , GALERA correspondem a situações diferentes de interação social, marcadas pelo grau maior ou menor de formalidade do ambiente e de intimidade entre os interlocutores , e podem inclusive ser pronunciados pelo mesmo individuo em situações de interação diferentes.

Heterogeneidade ordenada?

Diferente do que se pensa, a variação lingüística não ocorre de maneira desordenada, caótica, aleatória, por isso o autor intitulou o nome do livro como ”Nada na língua é por acaso”, e segundo ele, não é mesmo. As palavras que mais se aproximariam do real conceito é: heterogeneidade ordenada.

Heterogeneidade ordenada:
Pronuncie com cuidado as duas palavras abaixo: RASPA → RASGA
Observe que na primeira palavra aparece um som [s], enquanto na segunda aparece um som de [z], embora as duas se escrevam com a mesma letra s. Por quê? Muito simples o s de RASPA vem antes de um /p/, que é uma consoante surda, isto é, produzida sem participação das pregas (ou cordas) vocais , e por isso o s se pronuncia como [s], que também é um som surdo.

Já no caso de RASGA, o s está diante de uma consoante sonora, o /g/ (produzida com a participação das pregas vocais), e por isso ele se realiza como um [z], que também é uma consoante sonora. É o contexto fonético, ou seja, a influência de uma consoante sobre a outra, que vai explicar, neste caso, a variação [s] ~ [z]. A sonoridade (ou vozeamento) de um fonema vai provocar a sonorização do outro; a não-sonoridade (ou não-vozeamento) de um fonema vai provocar a não-sonoridade do outro.

Aqui estamos de um fenômeno de variação que está condicionada apenas linguisticamente – todo e qualquer falante de português, independentemente de sua origem social ou regional, sexo, grau de escolaridade etc., vai apresentar, na sua fala, essa alternância [s] ~ [z] em pares como RASPA/RASGA, ESCAMA/ESGANA, FISCO/FISGO, DESTINO/DESMAIO etc. É um fenômeno tão impregnado na língua que ninguém se dá conta dele, ele não chama a atenção, não desperta nenhum tipo da reação negativa ou positiva da parte dos falantes, que nem sequer têm consciência de que ele acontece.

Outro exemplo da heterogeneidade ordenada, desta vez no plano morfossintático, está nos casos variáveis de concorrência nominal. Observe as três frases abaixo:
(a) aquelas casinha amarelinha
(b) *aquela casinhas amarelinha
(c) *aquela casinha amarelinhas

Somente a frase (a) ocorre no português brasileiro, enquanto (b) e (c) não ocorrem (por isso, estão assinaladas com um asterisco, símbolo usado pelos lingüistas para identificar uma construção improvável ou impossível). A frase (a) é usada por praticamente todos os brasileiros, inclusive os altamente escolarizados em situações em situações  de fala espontâneas, distensas. Daí se deduz claramente que existe uma regra por trás dessa construção, uma regra que diz: <marque o plural somente no primeiro elemento do sintagma>, regra que é perfeitamente obedecida por todos os que se servem dela.

Segundo a autora Maria do Socorro Pessoa:

“A Sociolinguística é a parte da Linguística que faz seus estudos enfocando a Língua, a Cultura e a Sociedade. Podemos afirmar que Língua e Sociedade são duas realidades que se inter-relacionam de tal modo que é impossível conceber-se a existência de uma sem a outra. É no seio da sociedade, com suas particularidades e afinidades, que as falas fluem, que a interação ocorre. O condicionamento social da linguagem está em consonância com traços que se enraizaram, de forma muito profunda, na mente coletiva da comunidade linguística(...). (PESSOA, 2010).


            A Sociolinguística discute problemas que vão além das relações singelas entre a língua e o social; estudando assim a estrutura linguística e a estrutura social para comparar e mostrar a relevância da variação linguística existente entre elas. Proporcionando dessa forma a valorização da diversidade, desconstruindo o preconceito linguístico que enaltece o dialeto culto e desvaloriza os outros. Segue abaixo alguns exemplos dessa Variação Sociolinguística:

- Fatores extralingüísticos – eles formam um conjunto de fatores sociais que podem auxiliar na identificação dos fenômenos de variação lingüística. Ex:
Origem geográfica; Status socioeconômico; Grau de escolarização; Idade; Sexo; Mercado de trabalho; Redes sociais.
Ø  Origem Geográfica: a língua varia de um lugar para o outro; assim, podemos investigar, por exemplo, a fala característica das diferentes regiões brasileiras, dos diferentes estados, de diferentes áreas geográficas dentro de um mesmo estado etc.; outro fator importante também é a origem rural ou urbana da pessoa;
Ø  Status Socioeconômico: as pessoas que têm um nível de renda muito não falam do mesmo modo das que têm um nível de renda médio ou muito alto, e vice-versa;
Ø  Grau de escolarização: o acesso maior ou menor à educação formal e, com ele, à cultura letrada, à prática da leitura e aos usos da escrita, é um fator muito importante na configuração dos usos lingüísticos dos diferentes indivíduos;
Ø  Idade: os adolescentes não falam do mesmo modo como seus pais nem estes pais falam do mesmo modo como as pessoas das gerações anteriores;
Ø  Sexo: homens e mulheres fazem usos diferenciados dos recursos que a língua oferece;
Ø  Mercado de trabalho: o vinculo da pessoa com determinadas profissões e ofícios incide na sua atividade lingüística: uma advogada não usa os mesmos recursos lingüísticos de um encanador, nem este os mesmos de um cortador de cana;
Ø  Redes sociais: cada pessoa adota comportamentos semelhantes aos das pessoas com quem convive em sua rede social; entre esses comportamentos está também o comportamento lingüístico.

Para a autora Soares (1980), o bidialetalismo é chave para se alcançar a prática sociolinguística, pois ele não objetiva a substituição da variedade linguística do sujeito pela variedade linguística valorizada socialmente, mas visa à compreensãodos diversos fatores – econômicos, sociais, culturais, políticos, ideológicos – de que essas variações linguísticas são produto. Essa ideologia bidialetalista demanda que se analisem as diferenças entre dialetos de prestígio e os dialetos populares, repudiando a qualificação deste último como deficitários. Sendo assim, a apropriação dos dialetos de prestígio pelas camadas populares ocorre não como objetivo de substituição de seu dialeto de classe, mas como mais uma forma de comunicação.

“(..) uma escola transformadora atribui ao bidialetalismo a função não de adequação do aluno às exigências da estrutura social, como faz a teoria das diferenças linguísticas, mas a de instrumentalização  do aluno, para que adquira condições de participação na luta contra desigualdades inerentes a essa estrutura”. (SOARES, 1980:74).

Variação Estilística são as diferentes circunstâncias de comunicação do indivíduo, seja no ambiente em que se encontra (familiar ou acadêmico, por exemplo), e/ou o tipo de assunto tratado e quem são os receptores. É possível identificar dois limites extremos de estilo: o informal, que é uma linguagem cotidiana que utiliza o mínimo de reflexão gramatical do indivíduo sobre a norma culta; e o formal, que é uma linguagem mais elaborada e complexa em que o grau de reflexão é máximo sob as regras da norma culta, sendo essa utilizada nas conversações que não fazem parte do dia a dia.